terça-feira, 27 de janeiro de 2015

LOUIS PLESSIER - Meu amigo, mestre, irmão

Foi através de uma revista “Guitar Player” de 2009 a primeira vez que tomei conhecimento sobre Louis Plessier e sua música, estava num período intenso de pesquisa e busca do Jazz Manouche. Na matéria Louis era entrevistado pelo guitarrista Alexandre Birkett, que temos muitos amigos em comum e somos amigos em redes sociais.  Após algumas tecladas com Birkett consegui o endereço de email de Marilene, brasileira, esposa de Louis desde 2003. 
       No primeiro contato ao telefone Marilene foi extremamente gentil, e nos falamos bastante varias vezes,  com a intenção de trazer Louis Plessier a Londrina para fazer apresentações com o trio “Poucas & Boas” que foi meu primeiro trabalho no universo manouche, a formação seria eu,  baixo acústico, bateria e Louis Plessier como convidado.
       Como todos sabemos as condições para se fazer musica instrumental no Brasil não são muito favoráveis...  e depois de muita luta para conseguir recursos para estrutura mínima para viagem, hospedagem, cache e etc... confirmado Louis Plessier  tocaria em Londrina conosco.
Em julho de 2011 Louis Plessier  faz 2 apresentações em Londrina, “Louis Plessier & Poucas e Boas trio”.
     O primeiro contato com Louis realmente foi algo mágico, surreal,  em pleno interior do Paraná liderado pelos sons impostos pela mídia ..na sala de minha casa, um  guitarrista francês que tinha sido casado com a sobrinha de Django Reinhardt, tio de Bireli Lagrene e com algum parentesco da maioria dos músicos dos ciganos Manouche. Nunca  tinha visto um guitarrista tocar realmente o verdadeiro Manouche só via internet,  realmente parecia um sonho, ou algo do tipo.Estava estudando o estilo intensamente a cerca de 2 anos, apesar de me dedicar, ter uma guitarra manouche...não sabia se estava realmente no caminho certo. Louis começou a tocar e naquele momento fui transportado a 100 anos atrás... de sua guitarra manouche saiam sons que jamais tinha escutado...um som impar, especial, totalmente diferente de qualquer guitarrista. De imediato como qualquer outro músico que estudou um pouco ..comecei a querer achar as relações em campos harmônicos, escalas , etc e etc.. pouca coisa encontrei.. os formações dos acordes e resoluções  eram diferentes...  pensei e agora..!?
    Começamos a tocar juntos ...e rapidamente depois de alguns minutos tocando Louis disse que eu tocava como um Manouche.... !!!!  Pensei  “ufa... apesar do pouco que sei estou no caminho certo” 
    Em poucas horas  já éramos como amigos de décadas, não somente eu...mas também meus filhos, minha esposa e esposa do Louis, simpatia e carinho mutuo e imediato entre todos.  Passamos três dias juntos regados a muita música, garrafas de vinho e comidas ... como manda a tradição cigana.
     Fizemos as duas apresentações, gravamos programas na radio, nos conhecemos, reunimos as famílias, trocamos muitos sons, enfim missão comprida. Louis e Marilene vão embora e deixam saudades em casa e em todos que os conheceram naquela ocasião.
    Continuamos nos falando por diversas vezes até o final do ano de 2011, quando numa delas Marilene diz que Louis queria a tocar comigo, e fazer um trabalho serio juntos. E que ainda se mudariam para Londrina para podermos fazer esse encontro de Sons e energias musicais fluírem.

     Em Fevereiro de 2012 Louis e Marilene mudaram se para Londrina ...bem perto de minha casa...a partir disso começamos  a desenvolver intensamente o trabalho em duo intitulado “Drom Manouche” (caminho manouche).
       No dia a dia de nossa convivência pude conhecer e saber sobre a verdadeira cultura manouche, e também como pensam e vivem em relação ao universo, dos detalhes mais simples ao mais rebuscados. Louis me contava historias que tinha vivido com Tchavolo Schmitt, Raphael Fays, Gertha Weiss e diversos outros grandes do universo manouche... muitos nunca tinha ouvido falar... escutei muitas historias de Django que eram particularidades da família.
     Descobri que muitos manouches (dos antigos a maioria) “não sabem” nada de nota, escala, campo harmônico, nada ... Louis era um desses... tocava todos acordes e escalas ...mas o nome?escala? nada disso... a musica em primeiro lugar tem que passar o sentimento, contar uma historia. Sempre me dizia que quando tocava não era ele e sim algo que vinha do céu... da natureza e de um criador maior.
    Cada dia ficava mais impressionado com aquele musico e ser humano gentil, diversas vezes semanalmente nos reuníamos minha família, Louis e Marilene, tocávamos e comemorávamos a vida em todos encontros.

    Louis era uma pessoa extremamente inteligente e sensível, não suportava burrice e barulhos....ahh, os barulhos os incomodavam profundamente me dizia que era como se enfiassem agulhas em seus ouvidos.
Tchavolo Schmitt & Louis Plessier
Quanto mais convivia com ele via que essa maneira “domesticada” de ver a música era algo muito pequeno pra tanta musicalidade daquele guitarrista, que compunha dez, vinte ou quantas musicas precisasse ou tivesse inspiração naquele dia.
     Dizia que para tocarmos juntos tínhamos que nos conhecer de verdade e tocamos juntos o máximo que pudermos, e isso era o necessário para tocarmos em qualquer lugar pra qualquer publico. Escutei muitas historias de suas andanças tocando com seu cunhado Gertha Weiss, segundo Louis um dos melhores guitarristas rítmico que já habitou esse planeta,  Gertha é um dos músicos que aparece ao lado de Tchavolo Schmitt no lendário filme documentário “Latcho Drom” de Tony Gatlif.                                          

     Com o tempo aprendi e pude perceber o que queria me dizer, e a cerca de 1 ano e meio tocávamos “direto” como ele dizia... ou seja improvisação  100% ...  temas inéditos sem combinar tom, ritmo, forma... sem combinar nada, nada mesmo, apenas começávamos a tocar a íamos construindo, criando, compondo sem preceitos ou amarras, apenas fazendo musica, musica que segundo Louis era a nossa verdade.
 Louis valorizava a criação e a composição, uma vez eu tirando frases e frases de Django Reinhadt...me disse que não deveria dedicar meu tempo a isso, e sim criar minhas frases e meus caminhos. “Xerox não adianta nada, na frança existe milhares de "Djangos" ...mas Django só existe um” me dizia, nem mesmo os temas clássicos ele gostava de tocar em apresentações, queria fazer sempre a música de verdade, improvisada, feita naquele momento.
Viajamos com o show Drom Manouche por algumas cidades do estado de São Paulo e de Santa Catarina, fizemos algumas apresentações no Paraná em 2012.
Em 2013, decidimos dar um reforço no trabalho e nos tornamos Droms Manouche agora um quarteto com violino e contrabaixo acústico. O momento de criação e inspiração estavam intensos, gravamos o álbum DROMS MANOUCHE, com 11 composições próprias, cinco delas com Louis solo com sua guitarra manouche, amplificada com captador Stimer, com aquele mesmo timbre e melancolia que Django usou na fase pós guerra.
O álbum foi muito bem aceito tanto aqui no Brasil como na comunidade Manouche na França onde Louis foi pessoalmente levar o álbum em julho de 2013. Muitas datas de apresentações estavam confirmadas para o lançamento do CD.

Na volta ao Brasil percebemos que algo estava errado na sua saúde, Louis apaixonado por vinhos e bons paladares não estava comendo quase nada, descobriu um câncer no estomago e começou uma luta pela vida.
Devido a cirurgias e tratamentos adiamos nossa turnê de lançamento. Em casa continuamos compondo, tocando, sempre planejando divulgar nossa música para todos os cantos.
 Tentando de todas as formas melhoras na saúde, a vida do mestre Louis, foi se esvaindo sem podermos fazer nada. Muitos temas em agradecimento a vida, em homenagem a parentes e amigos foram tocadas com inspiração e amor até os últimos dias, as melodias e improvisações tiveram seu ápice de inspiração e execução técnica, Louis tocava com todo coração e vontade...como se pudesse transformar a musica em elementos de cura.

No dia 21 de março de 2014, depois de travar uma batalha com a doença Louis Plessier nos deixou fisicamente e partiu para outro plano, feito de sons, harmonia e luz.
Agradeço imensamente aos caminhos da musica, do destino, Deus,  enfim, as energias que colocaram em meu caminho estre mestre da guitarra Manouche, Louis Plessier e sua esposa Marilene.

Com Louis pude ver outra maneira de ver, ouvir, fazer música... como ele sempre me dizia: “Fazer musica é como pintar um quadro, livre, leve  e se for sem retoques melhor, musica é como pintura é arte, vai fluindo”
dizia também:

“Musica é liberdade, temos que ser livres para tocar a nossa musica... aquela que vem da alma...do coração no momento” 

O aprendizado e lições que tive com Louis é a base para minha concepção de tocar, sentir e compreender o que realmente é um "manouche". Em postagens constantes e futuras a intenção é transmitir os ensinamentos em forma de sons,textos, videos e lembranças do meu querido mestre... Luz mom ami!!



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